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02/04/2014
O PRINCÍPIO DO PRAZER E O PRINCÍPIO DA REALIDADE EM UMA ESTÓRIA INFANTIL
por Luiz Afonso Baumfeld

A estória, em forma de desenho animado, chama-se “Procurando Nemo” da Disney Pixar Studios, conta a saga de um pai “peixe palhaço” que sai à procura de seu filho, capturado por um mergulhador e levado para um aquário em Sidney na Austrália.

No início o pai e a mãe conversam sobre as quatrocentas ovas que irão chocar, olhando para o lugar que escolheram para morar e criar os filhotes. De repente, aparece um predador e come a mãe peixe e todas as ovas, menos uma,  o peixe de nome Nemo. Esse peixe, o único que restou da ninhada começa a ser cuidado pelo pai, super protetor, que protela a sua entrada no mundo do fundo do mar. Como se não bastasse, este filho tem uma nadadeira defeituosa, o que acentua ainda mais a proteção do pai. Após sua entrada na escola, o pai descobre que os alunos irão perto do paredão, limite em direção ao alto mar. Segue assim em direção a este lugar onde então seu filho o desobedece e cai na rede do mergulhador. A partir daí inicia-se a procura deste pai pelo filho, onde encontra um peixe-fêmea que se mostra desmemoriada, desorientada, porém pertinaz, abrindo caminho às vezes desconhecidos, às vezes perigosos.

A leitura que faço destes dois personagens se compara à postulação de Sigmund Freud no que se refere ao princípio do prazer e ao princípio da realidade. O princípio do prazer reina no inconsciente, garante a vivência de satisfação, os sonhos, está no registro do desreal e ligado às pulsões sexuais. O princípio da realidade domina o consciente, garante a obtenção no real das satisfações e está ligado à auto-conservação. São os dois princípios de funcionamento do aparelho psíquico; a passagem do princípio de prazer para o princípio de realidade não faz suprir o primeiro. Representam o dualismo pulsional e o conflito entre o ID e o EGO. O princípio do prazer não tem memória, o princípio de realidade só tem objetivo; embora antagônicos, caminham juntos, emparelhados e um só se reconhece no outro e vice-versa.

O pai – princípio de realidade – quer encontrar o filho a todo custo, às vezes atabalhoadamente, mas com persistência, obstinação e até mau-humor. O peixe-fêmea – princípio de prazer – também quer encontrar Nemo, mas não tem orientação nem física nem temporal e nem espacial – simplesmente arrisca. O pai, chamado Marlim, procura o único filho que lhe resta e não tem indícios para onde ele foi. O peixe-fêmea, chamado Dori, sofre de perda de memória recente e não consegue se lembrar de nada, mas acompanha o pai na busca desenfreada pelo filho. Os dois juntos se completam inusitadamente (ambos são necessários, embora às vezes contraditórios) e vão percorrendo os perigos dos mares, que são muitos, conseguindo atravessar os oceanos e paradoxalmente encontrar os caminhos que os levem até um aquário em um consultório dentário em Sidney, onde está o filho capturado pelo mergulhador. Uma tarefa que parecia impossível consegue se concretizar com os esforços de ambos, que lutam para encontrar o filho Nemo. A estória, divertida, atraente, consegue prender a atenção tanto de adultos como de crianças, não deixando de ter pontos trágicos, adversos, perdas, mas também contemporizando a dualidade existente em todos os processos da vida.

Bibliografia:

-         Vocabulário de psicanálise: J. Laplanche – B.Pontalis 5ª edição.

-         Procurando Nemo – Disney/pixar.